segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Cotidiano

Escrevi esta narrativa em 2005, logo que ingressei no curso de Letras. Naquele momento, estava participando de uma oficina de produção textual. E o texto em questão foi uma das atividades propostas na oficina.

Cotidiano

Seu nome era Pedro, tinha 16 anos, pais “normais”, uma irmã de 14 anos chamada Leila e um pesadelo imaginário.

Todo dia, ele acordava, dava bom dia ao seu pai, à sua mãe, às paredes, mas não à sua irmã. Seguia rumo ao banheiro, onde retirava toda a sujeira que ele obtivera à noite. Quando acabava esse processo, descia as escadas de sua humilde casa de classe média alta e infeliz, para usufruir do banquete matinal que sua eficiente empregada lhes trazia.

O pai de Pedro, Dr. Vítor, era um homem em seus 45 anos, aparência apessoada, face firme e conservadora, advogado meia-boca e mal-pago. Sua mãe, Dona Célia, era uma dona de casa faz de conta, falsa e sorridente. Em seus 42 anos de vida, ela serviu apenas como modelo social de um instrumento alienável.

A irmã do nosso jovem, Leila, 14 anos, como já havíamos referenciado, tem uma curta e infeliz história. Até esta idade que lhe cai hoje sobre os ombros, foi uma legítima garota Barbie, que tudo pede, tudo ganha e nunca fica por fora de nenhuma novidade lançada no mundo do Shopping Center.  

O pesadelo de Pedro! Ele via sua vida passar, as garotas passarem, passando sobre elas, ascendendo em seu trono, mas ele não via alegria, naquele triste colégio particular em que cursava o Ensino Médio. Todas os dias, quando saía da escola sem esperar a sua irmã, encontrava dois rapazes negros sentados na calçada, que fumavam maconha e lhe miravam a vida. Ele simplesmente seguia, tomando o seu caminho real, direto para o seu castelo, sem refletir sobre o que havia sentido: o medo!

Então, dedurou os dois marginais para o Dr. Vítor: “Pai, tem dois negrões que ficam me encarando todos os dias na saída da escola!”

No outro dia, logo pela manhã, Pedro esbanjava um sorriso ardente, cumprimentou a todos, inclusive sua irmã. No fim da aula, seu pai o esperava. Pediu que lhe apontasse os garotos que o “ameaçavam”. Dr. Vítor foi ao encontro dos garotos, rufando palavras de desprezo, no intuito de alarmá-los sobre o seu poder. Os dois “secaram” friamente o senhor que ali estava e foram embora, enfurecidos e chapados. 

Último dia. Pedro repetiu o brilho anterior, com um sentimento de vitória. Abraçou o seu pai pela última vez...

Na volta da escola, encontrou os mesmos indivíduos. Eles se levantaram, indo furiosos na direção dele, gritando:

– Tu é muito baitola mano! Seu playboy veadinho! A gente não ia te fazer nada!

Dizendo isso, deram um chute na coxa de Pedro, que se encolheu chorando de medo. Ele, então, transformou toda a sua fraqueza em ódio social, pegando a faquinha de aço inox que passara a guardar na mochila por medida de “segurança”. Correu em direção aos alvos, no mesmo instante em que um deles se virava com um canivete. Pedro, que estava em alta velocidade, não conseguiu controlar seus movimentos e, num reflexo súbito, viu sua barriga sangrando, seu olhar embaralhando, sua vida, estacionando... Os dois garotos correram assustados, a polícia não apareceu, os jornais divulgaram, a sociedade se alienou e a família clamou por justiça. Cinco dias após a morte do jovem, duas viaturas prenderam os suspeitos. Fez-se justiça, fez-se o social, fez-se o poder.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

As músicas da minha infância

Eu sempre gostei muito de música! Muito mesmo! É uma daquelas coisas que fazem a minha vida valer a pena. 

Algumas das canções que mais curtia na infância me acompanham até hoje. São aquelas que não podem faltar no meu celular e que povoam o meu imaginário. São aquelas que moldaram aquilo que sou em termos de ser humano. São músicas das quais não consigo enjoar e que me dão uma sensação diferente, de extrema alegria, de transcendência. 

Todas elas são variações do plural rock and roll, mas que, juntamente com o meu amadurecimento ao longo dos anos, me permitiram encontrar outros sons, em outros estilos musicais, que mantêm a mesma indescritível atitude presente nelas.

Escolhi, então, as dez mais importantes dessa seleta coletânea, as quais listarei abaixo, assim como o videoclipe de cada uma (basta clicar no nome da música).











***

Durante a maior parte da minha infância, não tivemos TV a cabo, internet nem celular. O que fazíamos, meu irmão e eu, para ter acesso a músicas diferentes das que tocavam no rádio era pedir favores aos amigos que tinham acesso à emissora de televisão MTV (quando ela ainda prestava, até antes do ano 2000) para gravar em fitas de videocassete a maior quantidade possível de videoclipes legais. Então, assistíamos várias e várias vezes essas fitas, decorando até a sequência das canções presente nelas. 

Isso durou até os meus nove anos de idade, na ocasião em que conseguimos assinar uma TV a cabo - e que, na realidade, curtimos menos do que as fitas. Mas internet e celular (dos mais simples, como o que tenho ainda hoje) só fui ter acesso durante a minha adolescência - inclusive porque as pessoas só começaram a possuir computador (com ou  sem) internet e/ou celular em meados dos anos 90.

Hoje, sou sinceramente grato às oportunidades de ter tido conhecimento, cultura e educação durante a minha infância, para que se fundamentassem alicerces de qualidade no meu desenvolvimento. Pois, infelizmente, percebo que a maior parte das crianças e adolescentes da atualidade tem o mundo nas mãos, tem todas as possibilidades do mundo, porém usam de toda essa tecnologia para ouvir as mesmas músicas de baixa qualidade que tocam na maioria das emissoras de rádio de nosso país, além de não possuir aquela vontade de conhecer coisas diferentes que uma grande parcela das crianças e adolescentes tinham nos anos 90.

É que, de certa maneira, as facilidades, os atalhos, acomodam o ser humano, cujo cérebro vai atrofiando, assim como o restante do corpo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Os poderes secretos de Nika

Capítulo 1

Nika era uma pequena guerreira. Não porque gostava de violência e de brutalidade. Muito pelo contrário! Mas porque lutava incontáveis batalhas, neste finito campo de batalhas chamado vida. 

Ela não era rica, não era loira como o mais inebriante ouro, nem possuía olhos claros como o céu em dias bons. Não se parecia em nada com as princesas mirins dos contos de fadas. Sua aparência estava mais para a das bruxas. E sua sorte também. Apesar disso, ela era linda! Pois era uma criança. E todas as crianças são lindas – mesmo aquelas com aparências desvalorizadas no mercado editorial.

Nika não morava em um castelo. Nem em um reino encantado. Ela morava em uma casa de brinquedo. Não porque sua casa era divertida nem nada assim. É porque era quase inacreditável que alguém pudesse morar em uma construção tão pequena, feita de restos de entulhos, desagradável nas cores, desagradável no desenho, desagradável no conforto (ou melhor, na falta dele), desagradável no espaço, desagradável na temperatura. Parecia uma brincadeira (ou piada) de mau gosto. E essa humilde (ou humilhante) residência ficava em um humilde (ou humilhante) local, nem um pouco mais agradável do que a sua casinha de brinquedo.

É aí que começavam os poderes secretos de Nika. Podiam ser chamados de poderes porque ajudavam-na a enfrentar as suas batalhas diárias. E podiam ser chamados de secretos porque somente ela sabia que os tinha. Eles funcionavam no seu âmago. Além disso, Nika não era dada a revelar os seus segredos. Pelo menos isso ela conseguia guardar para ela, somente ela!

O primeiro poder de Nika era saber suportar. Pois sabia como nenhuma outra menina de sua idade suportar o desgosto que aquele lugar trazia para a sua família. Ela também era capaz de suportar a ausência de um pai, a falta de comida e a inexistência de carinho dentro daquelas gélidas fronteiras.

A família de Nika era composta por sua mãe e três meios-irmãos. Meios-irmãos porque Nika era filha de um pai diferente dos outros três. Primeiro, sua mãe teve Nika. Mas, depois que seu pai fora vítima de uma bala perdida (se é que existam balas certeiras, já que atirar em alguém sempre é um ato perdido), surgiu um padrasto na vida de Nika. E, com ele, um após o outro, irmãos menores: duas meninas e um menino, que havia nascido no intervalo entre uma menina e outra.

O padrasto de Nika, mais um dentre tantos Josés, passava o dia fazendo bicos, com os bicos de várias garrafas de bebidas na sua boquinha de cemitério. Então, como a mãe de Nika, Dona Dolores, trabalhava como empregada doméstica numa moradia sim de contos de fadas, cabia à filha tentar cuidar dos três irmãos. E assim apresentamos mais um poder de Nika, o poder da superação. Pois qualquer criança que é obrigada a cuidar de outras crianças precisa se superar... e muito! Sem contar a superação da perda do pai, da inutilidade do padrasto e de outras novidades detestáveis na vida de Nika.

Quando não tinha que cuidar dos irmãos, Nika ia à escola. Isto é, na verdade ela ia à escola bem menos vezes do que deveria. E, nas vezes em que ia, não lhe ensinavam nada que lhe ajudasse a controlar e a acalmar os irmãos; nem a lidar com o medo de seu padrasto, nos momentos em que ele, bem bêbado, lhe encostava de maneira asquerosa; nem a sair de maneira rápida daquele lugar triste e opressor. Por isso, às vezes ela preferia não ir, mesmo que não precisasse cuidar dos menores. Nessas ocasiões, Nika ia até a cidade. A cidade de verdade! Aos lugares lembrados da cidade, não aos esquecidos! Àqueles locais onde há pessoas bonitas, e lojas bonitas, e ruas bonitas; e tudo isso lhe dava um nó na garganta. Está certo que, quando não ia à escola sem a permissão da mãe, esta ficava braba. (“Braba” mesmo, não “brava”. Porque tornar-se violento não pode ser, de forma alguma, sinônimo de “valentia”.) E, quando isso acontecia, Nika precisava demonstrar outra faceta do poder de suportar, o poder de suportar a dor. Mas valia a pena o sofrimento, pois só assim ela sabia que existia uma vida diferente, quem sabe melhor, onde o dinheiro dá um único poder às pessoas, o poder da compra, tão indispensável em nossa sociedade. E, para aqueles que não têm dinheiro, como Nika, o poder da compra parece ser o mais potente de todos. Nika imaginava que ele tornaria tudo agradável, tudo fácil; traria sorrisos e gargalhadas.

A esperança de dias melhores proporcionava um outro poder para Nika, o poder de seguir em frente. Pois nas novelas e nos filmes que passavam na TV ela via meninas se tornarem mulheres, e mulheres se tornarem esposas e mães. É claro que ela via tudo isso ao redor de sua casa de brinquedo também! Não necessariamente naquela ordem. Às vezes meninas se tornavam mães cedo demais. E nem sempre mães se tornavam esposas. É que na TV as mulheres se casavam com homens ricos, que transformavam meninas como Nika em princesas de verdade. E com ela seria assim, com certeza! Não iria se casar com homens como o seu padrasto, ou que tivessem um destino triste como o do seu pai. Com certeza aconteceria o melhor para ela! É para isso que ela rezava. E a reza lhe dava outro poder, a fé. A fé em si mesma, a fé no amanhã (que toda criança tem).

Desse modo caminhou a infância de Nika, com sonhos e poderes, mas também, em algumas situações, com pesadelos e impotência.

Capítulo 2

Os anos voaram e com eles surgiu um novo capítulo na vida de Nika. Ela se tornou moça depois de enfrentar milhares de indescritíveis batalhas e de aprender a usar uma diversidade de outros poderes diferentes. Esses poderes ensinaram muitas coisas a ela. Coisas que nem a escola nem ninguém poderiam tê-la ensinado. Coisas que se aprende sozinha! Nesse tempo, aprendeu a sobreviver. Aprendeu o poder de esquecer alguns dos acontecimentos ruins, o poder de ignorar batalhas pequenas demais e, infelizmente, como faz parte da existência de qualquer pessoa, o poder de se esquivar, para fugir de situações difíceis, embaraçosas ou perigosas.

Naquela época, Nika começara a trabalhar. E, como se dedicava, Nika cresceu no emprego. No hipermercado em que trabalhava, passara de empacotadora a caixa em alguns meses. Depois, com a espera de mais alguns anos, tornou-se fiscal.

No hipermercado, Nika havia conhecido Davi. Davi, que fazia de tudo um pouco dentro daquele castelo de consumo, não era bem aquele homem rico com quem Nika sonhara. Contudo, era bem diferente de seu padrasto. E, por compartilhar da fé no amanhã de Nika, também não teria o mesmo destino que seu pai.

Os dois iniciaram um longo e suado relacionamento. Com os poderes que ambos obtiveram ainda na infância, resistiriam a tudo. Nada, exatamente nada, seria problema para aqueles dois! Eles já tinham tudo planejado. Trabalhariam muito, economizariam mais ainda e, só depois de conseguir alugar um apartamento nos bons lugares da cidade, aqueles com lojas e pessoas bonitas, eles se casariam.

Porém, e nesta vida há sempre “poréns”, num dia qualquer, quando Davi estava à procura do presente perfeito para oferecer a Nika pelo aniversário de namoro dos dois, alguns policiais confundiram o rapaz com outro, mais um dos vários autores de pequenos delitos. Davi não reagira à abordagem da maneira que era esperada pelos homens fardados, e, numa tentativa de fuga desesperada, o tiro saiu pela culatra. E a bala acertou Davi.

Nika, por sua vez, perdeu todos os seus poderes. E tornou-se, depois de cascatas de lágrimas, uma pessoa comum. Trabalhava pelo pão de cada dia, sem pensar em nada além. Colocou apenas um único objetivo para a sua vida: se não tivesse mais ninguém em sua vida, diminuiria bastante a quantia de desgostos. Não teria mais que tomar conta de ninguém, nem teria com quem se decepcionar. Então, só seguiria só.

Após anos, solitária na lida, conseguiu alugar uma quitinete próxima ao hipermercado. Mobiliou-a como conseguiu, o que, de qualquer maneira, ficou bem melhor do que a antiga casa de brinquedo que dividia com a sua família.

Assim, prosseguia a sua organizada vida até que o destino lhe surpreendeu. Um novo vizinho, um jovem vizinho, havia aparecido no prédio em que Nika morava. E, desde o primeiro momento em que se encontraram, ocorreu um sincero sorriso em ambos, por dentro e por fora, um como consequência do outro. Daquele segundo em diante os dois perceberam que a vida entre os dois seria melhor. Apenas sabiam, sem saber como!

Nos momentos em que um universo se deparava com o outro pelos corredores, Natanael conversava com Nika. E a cada dia que se passava ela tinha mais certeza de que o rapaz era um presente do destino a ela, que já havia passado por tanta coisa, inclusive pela perda de seus poderes.

Natanael a redimiu. Natanael redimiu a sua vida. E a partir de então (quase) tudo deu certo – porque dar tudo certo é milagre, e isso raramente acontece na vida de pessoas comuns, mesmo que elas sejam extremamente poderosas, como Nika, Natanael, Davi e tantos outros heróis anônimos, que se salvam e nos salvam todos os dias.

sábado, 16 de junho de 2018

Monique

Monique era uma menina estranha. O que não era nada estranho era o seu sofrimento por conta disso.

Com catorze anos, frequentava a escola como qualquer garota normal. Mas ela não era normal! Não que tivesse alguma deficiência. Longe disso! Monique simplesmente não estava à vontade com a sociedade em que vivia. Por isso, não se misturava com os colegas, não compartilhava de suas preferências e dificilmente sua voz era ouvida. Nunca tivera amigos nem o amor de sua indiferente família. E, assim, por não ser bonita nem popular, mas peculiar e repulsiva, era vítima de bullying diariamente.

Tudo o que a estudante desejava era ficar em paz. Porém, não a deixavam sossegada nem por um momento. Por onde passava, sempre havia alguma testemunha de sua presença. E quem a notava tinha que ofendê-la; na maioria das vezes, apenas por puro impulso.

Então, exatamente numa sexta-feira 13, enquanto voltava da escola, Monique atirou-se na frente de um ônibus, por não mais suportar a sua situação nem encontrar esperança de um futuro melhor. Alguns dos seus algozes do colégio, que estavam logo atrás, presenciaram toda a ação. E um deles, ao passar pela agonizante desgraçada, sussurrou: “Morre logo, sua maldita bizarra!”. Em seguida, a menina encerrou sua existência, levando consigo um sentimento insaciável de revolta.

Por isso, sem poder descansar nem depois de procurar o descanso eterno, o espírito da estudante começou a sua interminável vingança. Uma a uma, as pessoas que fizeram algum mal a ela passaram a sofrer tragédias terríveis e inexplicáveis. Na maioria das vezes, pouco sobrava dos corpos das vítimas, cujas mortes aconteciam após explosões, acidentes violentos, combustões espontâneas. Realmente, para os vivos, parecia que um fenômeno estranho estaria planejando aqueles acidentes improváveis.

Contudo, ninguém, mesmo depois de um bom tempo, ligou as mortes à finada garota. Por conta disso, ela sentiu que nem assim teriam qualquer consideração por ela e, consequentemente, qualquer arrependimento pelos seus atos malvados. E, desse modo, Monique continua vagando por aí, mais indignada do que nunca, às vezes apossando-se de crianças e jovens de quem os outros debocham para ajudá-los a lidar com essa situação.

Portanto, se você ofende alguém sem qualquer razão, tome muito cuidado, porque tudo o que vai um dia pode voltar. E, por vezes, com uma intensidade bem maior.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Canção fúnebre

Segundo conto de terror que me atrevi a escrever:



Canção fúnebre

Em todas as sextas-feiras à noite, meu vizinho de cima convidava seus amigos desmiolados para uma festinha regada a muita cerveja barata, música de baixíssima qualidade e conversa enlouquecedora. E, além da falta de respeito com o restante dos moradores do prédio, fato que já seria o suficiente para reprovar esse comportamento, o que agrava a minha situação é que eu me levanto bem cedo aos sábados para trabalhar.

Pelo jeito, não seria diferente em uma sexta-feira 13...

Eu tinha tido uma semana terrível! Estava completamente acabado! Assim que comecei a sentir sono, olhei para o meu relógio de pulso e observei que já era quase meia-noite. Por um milagre, o prédio estava no mais tenebroso silêncio. Por isso, satisfeitíssimo, dirigi-me ao meu quarto. Tentaria ter uma inigualável noite de sono!

De repente, no momento em que vesti as calças do meu pijama, passei a ouvir uma música em volume ensurdecedor vindo do apartamento logo acima. Contudo, não era do mesmo estilo ridículo de sempre! O som que eu estava ouvindo era o da minha canção favorita, do bom e velho rock and roll.

Porém, desta vez, não fiquei contente ao escutá-la, pois, bom ou ruim, o barulho não me deixaria dormir. Então, para satisfazer a minha curiosidade, subi as escadas em direção àquele apartamento. Diante da porta, dei algumas batidinhas, para ver se alguém me atendia. Passados alguns minutos sem resposta, tentei virar a maçaneta, a qual se abriu com extrema facilidade. Aturdido, decidi entrar no local, embora alimentasse o receio pelo comportamento do meu colega de condomínio, cujas atitudes normalmente lembravam as de um lobisomem enfurecido.

Após algum tempo de investigação, não encontrei ninguém naquele lar, odioso lar. E, para a minha inteira surpresa, o aparelho de som estava até mesmo fora da tomada (!!!). Ao fechar a porta, a música sumiu misteriosamente…

Voltei ao meu apartamento e, finalmente, dormi.

No dia seguinte, quando cheguei à portaria do edifício, encontrei-me com o síndico. Questionei-lhe sobre o barulho da noite anterior. Para a minha estupefação, ele não tinha ouvido nada.

Chegando ao meu local de trabalho, observei um exemplar do jornal do final de semana em cima do balcão da recepção. Peguei-o, folheei suas enormes páginas com certa dificuldade e, numa pequena notícia, li: meu vizinho havia sofrido um acidente de carro fatal na noite anterior. E, enquanto agonizava (e, posteriormente, jazia em seu carro), eu ouvia aquela música em seu apartamento.

Apesar do espanto, pensei, sorrindo para mim mesmo: valeu a pena ter ido àquela consulta com a bruxa!