Escolhas
Meu nome também é Guilherme, também nasci num 05 de julho e
também sofri um bullying desesperador quando estava na
escola.
No meu caso, como reação inconsciente, já que nunca levava
desaforo para casa, devolvia violência com violência. Sempre levei
a pior, mas nunca saí perdendo. Porque carregava alguns idiotas
junto comigo para a direção.
Naquela época não existia o conceito de bullying. Violência
era violência, seja física ou verbal. E todos eram culpados por
ela. (Aliás, comemorei aliviado quando desenvolveram esse conceito e
começaram a dar mais atenção ao problema – o que, infelizmente,
não melhorou muito a situação, tendo em vista que não adianta dar
nome aos bois e continuar promovendo churrascos, rodeios e touradas.)
Apesar de toda a angústia, o sofrimento e a revolta que carregava
comigo, decidi remediar as minhas dores buscando força interior.
Optei por ser o meu melhor amigo – além de me apoiar nos poucos
amigos verdadeiros que tinha, os quais, mesmo sendo poucos, valiam a
pena.
No Ensino Médio, já que eu fui alvo de bullying “somente”
por todo o Ensino Fundamental, os meus principais opressores me
pediram perdão. Comecei a desabafar através da arte, o que me
aliviou muito. E, posteriormente, me tornei professor, para fazer
alguma coisa por outras crianças, uma vez que todos têm que passar
pela escola.
Influência
Depois da fatalidade ocorrida em Suzano, estão culpando um jogo
eletrônico por incutir a violência nos jovens. Querem até proibir
o tal “Free Fire”. Aconteceu o mesmo há vários anos
quando aquele maluco entrou no cinema e saiu atirando em quem
surgisse diante dos seus olhos. Na ocasião, responsabilizaram a
violência presente nos filmes e nos jogos eletrônicos, como
“Matrix” e “Mortal Kombat”, pela má
influência. Isso me chocou na época, uma vez que eu era (e ainda
sou) fã das duas coisas. Porém, assim como eu, se todas as pessoas
que assistiram ao “Matrix” e jogaram “Mortal Kombat”
começassem a matar todo mundo, a humanidade já estaria extinta.
Não é por ter crescido assistindo aos filmes do Jason Voorhees, do
Bruce Lee, do Jean Claude Van Damme que me tornaria um serial killer,
um lutador de artes marciais ou um justiceiro. Além disso, jogar
“Mortal Kombat” não me levou a sair batendo em todas as
pessoas até a morte. Jogar “Grand Theft Auto” (o
primeiro!) não me levou a me tornar um bandido. Assim como ninguém
se torna o Pelé ou o Senna por jogar games de futebol e de
corrida.
Como evitar o bullying
Depois de ter sido humilhado e atormentado com o bullying, e
levando em conta a minha atual posição como professor, percebo que
há muito pouco o que a sociedade de maneira geral pode fazer para
diminuir esse problema.
Parece-me que praticar o bullying é, de certo modo, uma
condição natural das crianças e dos adolescentes. Isso porque eles
estão em uma fase de autoafirmação, em que precisam impressionar e
se mostrar superiores para fazer parte do grupo majoritário da sua
turma. Estão procurando o seu lugar no mundo. E identificam desde
muito cedo que em nossa sociedade do consumo e da competitividade não
há espaço para todos. E ninguém quer ser deixado de lado. Todos
querem estar com os vitoriosos.
Nesse contexto, sempre veremos, geração após geração, aqueles
que, assim como eu, não se encaixam nos padrões pré-determinados
pelo contexto de cada época. Por exemplo, durante a minha infância,
enquanto a maioria dos outros meninos era extrovertida, gostava de
Mamonas Assassinas, Skank, Jota Quest e jogava
bom futebol, eu era introvertido, gostava de Nirvana, Ramones,
Sepultura e sempre era um dos últimos a serem escolhidos
durante as aulas de Educação Física.
E a escola é muito cruel nesse aspecto. Em seu papel de laboratório
social, essa instituição expõe seres humanos em formação a
vários testes traumatizantes para a vida de cada indivíduo. Se
Fulano não joga bem, é excluído. Se Beltrano não é extrovertido,
é excluído. Se Sicrana não é visualmente bonita, é excluída. Se
o Zé Ninguém não tira boas notas, é excluído. Se a Malfadada só
faz perguntas idiotas na sala de aula, é excluída. Se o Vara Verde
não pega nem gripe, é excluído. E segue o baile, com vários
outros casos.
Enquanto professor, percebo diariamente o bullying
acontecendo em sala de aula. E não é por falta de trabalhos sobre
isso nas escolas. Não adianta as direções, os professores, os
palestrantes falarem e agirem. Não adianta nem falar com os pais.
Muitas vezes não adianta nem os pais falarem diretamente com os
agressores! Alguns alunos simplesmente não conseguem se segurar,
enquanto outros levam tudo na brincadeira. Porque, para eles,
menosprezar o próximo é venerar e chamar a atenção para si mesmo.
Ou para o próximo. Pois há casos em que os jovens debocham de quem
eles querem chamar a atenção. Já observei em diversas situações
meninos praticamente humilhando meninas em público e, no minuto
seguinte, as mesmas meninas estarem agarradas com eles, morrendo de
amores. Aí nasce o feminicídio.
Dicas de filmes
Há uma produção cinematográfica que costumo trabalhar com os
alunos, cujo roteiro aborda a problemática das chacinas em escolas.
Trata, ainda, sobre aquilo que normalmente está envolvido nesses
casos: o bullying, causado pelo desrespeito às diferenças, o
pré-julgamento, a falta de diálogo; e a motivação que leva o(s)
atirador(es) a fazer(em) aquilo. É realmente uma obra excelente, que
percorre várias temáticas e angústias próprias dos adolescentes.
O filme se chama “Home Room – A sobrevivente” e foi
lançado no ano de 2002.
Além desse, há outros títulos que tratam a respeito do bullying
nas escolas (e até nas universidades) com maestria: “Ela e os
caras” (2007), “As excluídas” (2017), “Gatinhas
e gatões” (1984).
***
Enfim, a violência não ocorre por influência daquilo que cada um
de nós utiliza como fuga da realidade, mas sim por conta de tudo o
que nos impede de viver e de ter paz, como a falta de respeito, a
pressão, a humilhação, a injustiça.
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