Escrevi esta narrativa em 2005, logo que ingressei no curso de Letras. Naquele momento, estava participando de uma oficina de produção textual. E o texto em questão foi uma das atividades propostas na oficina.
Cotidiano
Seu nome era Pedro, tinha 16 anos, pais “normais”, uma irmã de 14 anos chamada Leila e um pesadelo imaginário.
Todo dia, ele acordava, dava bom dia ao seu pai, à sua mãe, às paredes, mas não à sua irmã. Seguia rumo ao banheiro, onde retirava toda a sujeira que ele obtivera à noite. Quando acabava esse processo, descia as escadas de sua humilde casa de classe média alta e infeliz, para usufruir do banquete matinal que sua eficiente empregada lhes trazia.
O pai de Pedro, Dr. Vítor, era um homem em seus 45 anos, aparência apessoada, face firme e conservadora, advogado meia-boca e mal-pago. Sua mãe, Dona Célia, era uma dona de casa faz de conta, falsa e sorridente. Em seus 42 anos de vida, ela serviu apenas como modelo social de um instrumento alienável.
A irmã do nosso jovem, Leila, 14 anos, como já havíamos referenciado, tem uma curta e infeliz história. Até esta idade que lhe cai hoje sobre os ombros, foi uma legítima garota Barbie, que tudo pede, tudo ganha e nunca fica por fora de nenhuma novidade lançada no mundo do Shopping Center.
O pesadelo de Pedro! Ele via sua vida passar, as garotas passarem, passando sobre elas, ascendendo em seu trono, mas ele não via alegria, naquele triste colégio particular em que cursava o Ensino Médio. Todas os dias, quando saía da escola sem esperar a sua irmã, encontrava dois rapazes negros sentados na calçada, que fumavam maconha e lhe miravam a vida. Ele simplesmente seguia, tomando o seu caminho real, direto para o seu castelo, sem refletir sobre o que havia sentido: o medo!
Então, dedurou os dois marginais para o Dr. Vítor: “Pai, tem dois negrões que ficam me encarando todos os dias na saída da escola!”
No outro dia, logo pela manhã, Pedro esbanjava um sorriso ardente, cumprimentou a todos, inclusive sua irmã. No fim da aula, seu pai o esperava. Pediu que lhe apontasse os garotos que o “ameaçavam”. Dr. Vítor foi ao encontro dos garotos, rufando palavras de desprezo, no intuito de alarmá-los sobre o seu poder. Os dois “secaram” friamente o senhor que ali estava e foram embora, enfurecidos e chapados.
Último dia. Pedro repetiu o brilho anterior, com um sentimento de vitória. Abraçou o seu pai pela última vez...
Na volta da escola, encontrou os mesmos indivíduos. Eles se levantaram, indo furiosos na direção dele, gritando:
– Tu é muito baitola mano! Seu playboy veadinho! A gente não ia te fazer nada!
Dizendo isso, deram um chute na coxa de Pedro, que se encolheu chorando de medo. Ele, então, transformou toda a sua fraqueza em ódio social, pegando a faquinha de aço inox que passara a guardar na mochila por medida de “segurança”. Correu em direção aos alvos, no mesmo instante em que um deles se virava com um canivete. Pedro, que estava em alta velocidade, não conseguiu controlar seus movimentos e, num reflexo súbito, viu sua barriga sangrando, seu olhar embaralhando, sua vida, estacionando... Os dois garotos correram assustados, a polícia não apareceu, os jornais divulgaram, a sociedade se alienou e a família clamou por justiça. Cinco dias após a morte do jovem, duas viaturas prenderam os suspeitos. Fez-se justiça, fez-se o social, fez-se o poder.
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