Neste superpopuloso mundo, uma das questões mais incômodas para as pessoas tem sido a convivência com os vizinhos. Não há quem não tenha que dividir espaços em qualquer lugar atualmente, e os convivas que se situam mais próximos de nossas residências, locais na qual todos convencionalmente desejamos ter um pouco de paz e de tranquilidade, são os principais determinantes da nossa (in)felicidade no lar, especialmente em tempos em que o altruísmo, a cultura, a educação, a tolerância e o bem comum estão em baixa.
Há indivíduos que, por exemplo, fazem festas e algazarras em qualquer dia e horário, sem levar em consideração aqueles que estão nas imediações. Se há alguém que precisa acordar cedo para trabalhar, se há alguém enfermo, se há uma criança autista por perto, dane-se. Se há alguém que deseja assistir à televisão, ler, estudar, dormir, descansar, relaxar, dentre outras ações, dane-se. Todos os moradores da vizinhança são obrigados a ouvir as músicas, boas ou ruins (não é esta a questão) e as gritarias animalescas proporcionadas pelos cidadãos alegres.
Há, também, aqueles que, por não terem nenhum compromisso no outro dia, ganhando a vida esquivando-se do trabalho, o que é bem comum no Brasil, não ligam nem um pouco para os horários em que praticam as suas atividades. Começam a ver TV no início da madrugada, com o volume no máximo, gritam tarde da noite e fazem barulhos diversos como se estivessem reorganizando a mobília ou embalando os seus pertences para uma mudança repentina. Com isso, não estou afirmando que alguns residentes da rua devem deixar de viver porque outros têm horários diferentes dos seus, mas o respeito e o bom senso precisam predominar sempre. É possível realizar qualquer atividade em qualquer ocasião, desde que, levando-se em conta o próximo, o indivíduo saiba dosar o seu nível de perturbação.
Uma terceira questão muito importante é a do lixo, não só para a política da boa vizinhança, assim como para o meio ambiente. Em relação a esse assunto, as más atitudes são inúmeras: acondicionar mal os rejeitos, deixando-os em uma situação em que qualquer vento da desgraça carregue para as residências dos outros aquilo que alguém jogou fora; depositar o lixo em frente às residências de terceiros, que nada têm a ver com a porcaria dos outros; levar para o passeio público sacolas de lixo orgânico e seco, sem dar a mínima atenção para o dia e o horário em que estas serão recolhidas, dando abertura para todo o tipo de inconveniências. É como afirma o genial Luís Fernando Veríssimo em sua crônica intitulada “O Lixo”: “Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social.”. Dizendo mais, o nosso lixo, bem como o cuidado e a atenção que destinamos a ele, retratam quem somos.
O tema “espaços”, além dos anteriores, é também pertinente. Há vizinhos que habitam o seu próprio ambiente, o seu próprio terreno, o seu próprio lote, respeitando fronteiras contratadas, adquiridas e convencionadas. Contudo, há aqueles que são verdadeiros cidadãos do mundo. O que é deles, é deles. O que é dos outros, é deles também. São os espaçosos, os abusados, os legítimos sem-vergonha. E, naqueles momentos preciosos, em que o indivíduo quer ficar sozinho, utilizando-se da (im)possível e (im)provável tranquilidade do lar, acaba sendo invadido pela existência dos vizinhos, das esposas dos vizinhos, dos filhos dos vizinhos, que, inclusive, são outro ponto bastante relevante.
Os filhos dos vizinhos, benza Deus, podem tornar-se o próprio Diabo e construírem o Inferno na frente da casa dos outros, que sempre serão considerados “crianças brincando”, “adolescentes curtindo a vida” (do ponto do vista dos vizinhos-pais, logicamente). Tudo é permitido: quebrar, sujar, berrar, bater. É aquele célebre ditado popular na prática: “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Então, já que, dentro de quatro paredes, o filho perturbaria os pais, ficaria abobado com o celular nas mãos, brigaria com os irmãos por quaisquer besteiras, que vá para fora! E, uma vez lá fora, que incomode os outros, para dar um pouco de sossego àqueles que o trouxeram à luz para o criarem nas trevas da ignorância.
Enfim, tendo em vista tudo o que expus acima, a vizinhança é uma espécie de microcosmos da humanidade. E o que falta nos seus vizinhos é exatamente aquilo que carece no restante dos seres humanos: humanidade; em suma, há a inexistência do respeito, do bom senso, dos valores morais verdadeiramente postos em prática. Atualmente, é muito bonito dizer-se cristão, defensor da família, atento aos bons costumes. Porém, infelizmente, poucos dão atenção, de verdade, àquilo que Jesus Cristo ensinou aos seres humanos: o respeito, o perdão, a tolerância, a empatia, a paz, o amor, não julgar, não se considerar superior aos demais. Caso todos realmente fossem cristãos em cada atitude diária, teríamos uma vizinhança melhor, uma sociedade melhor, alguma esperança.