Tinha surgido uma bruxa na vizinhança. O nome dela era Dona Emma, uma professora aposentada que, segundo diziam, havia enfeitiçado muitos alunos ao longo de sua longeva carreira.
Os homens que realizaram a mudança dessa senhora para perto da minha casa contaram que ela tinha uma mobília super básica e simples. Porém, o que mais os assustou tinha sido a quantidade infindável de livros, de todos os tipos, cores, tamanhos, idades. E, pelo que se ouve por aí, seriam esses os seus instrumentos mais perigosos e poderosos. Afinal, toda feiticeira precisa de livros. É o que sempre mostram nos filmes, nos desenhos animados, nas séries.
A Dona Emma não se misturava muito. Até porque ninguém dava trela para ela, pois tudo nela era diferente das outras pessoas. Mas, toda vez que saía de casa, carregava uma grande bolsa cheia dos seus temidos livros. E, toda vez que enxergava uma criança, movia-se em direção a esta e estendia um livro. Não havia quem não corresse desesperado, pedindo ajuda a quem desse atenção. Nessas ocasiões, a idosa sumia, como num passe de mágica.
Os adultos até tentaram conversar com ela. Só que Dona Emma também lhes mostrava livros. E eles, com medo, inventavam algum compromisso, diziam algo bem grosseiro para a senhora e saíam rapidinho de perto dela.
Numa última tentativa, chamaram a polícia. Os policiais entraram na casa da Dona Emma, vasculharam cada canto, cada livro, sem encontrar quaisquer problemas. Sendo assim, apenas pediram para a ex-professora parar de arranjar confusão e foram embora.
Porém, a mulher era extremamente determinada e não dava o braço a torcer. Continuava com a mesma prática de estender livros para as crianças, de maneira cada vez mais insistente.
Até que eu, Clarice, uma menina espevitada de doze anos, decidi tentar uma coisa. Esperei uma ocasião em que a Dona Emma tentasse me conquistar com um livro e, ao contrário de fugir, agarrei o estranho volume e comecei a vê-lo e lê-lo, com certa dificuldade, já que a leitura não era um hábito em nossa cidade. Então, concluí que as pessoas tinham mesmo razão. Dona Emma era verdadeiramente uma bruxa! Pois eu não conseguia mais parar de ler aquele livro! Fiquei encantada! E, a cada página que virava, mais queria ler aquele livro. Ou melhor, queria ler todos os outros livros! Mas senti que essa era uma magia boa. Pois, quanto mais eu lia, melhor eu me sentia.
Levei o livro comigo, porque não teria condições de terminá-lo ali na rua. Disse para a gentil senhora que o devolveria assim que terminasse a leitura. Voltei para casa e escondi dos meus pais o tesouro enfeitiçado que carregava comigo. Eles não teriam gostado nada da minha ousadia.
No entanto, no dia seguinte, procurei fazer algo diferente. Contei para todos os vizinhos que pude encontrar o que tinha acontecido, os quais, num primeiro momento, ficaram apavorados com o tamanho da minha coragem.
Só que, aos poucos, com o passar das semanas, as coisas começaram a mudar na vizinhança. Cada vez mais pessoas aceitavam os livros enfeitiçados da Dona Emma e sentiam as mesmas reações que eu havia sentido.
Por isso, um tempo depois, a mudança foi tanta que a comunidade decidiu montar uma biblioteca na casa daquela senhora. Ela passaria a apresentar os livros para as pessoas e os emprestaria para serem lidos. Além disso, todas as famílias começaram a dar contribuições espontâneas para que a Dona Emma comprasse livros diferentes e pudesse manter o local em boas condições de funcionamento.
Eu não sei dizer pelos outros, mas, depois que comecei a ler esses livros, melhorei o meu desempenho na escola, parei de acreditar em bobagens, soube melhor onde buscar informações confiáveis e passei a sonhar mais, com um futuro melhor para mim e para todos os que me cercam. Ou seja, o mundo precisa demais de gente que enfeitiça os outros para o bem!
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