sexta-feira, 14 de março de 2014

Retratos quebrados

O rapaz tinha ido a um bazar comprar um presente para sua avó, que estava de aniversário. Ele não ganhava muito no seu emprego modesto, mas queria encontrar algo de que a querida aniversariante iria gostar. Achou dois belos baleiros de vidro: um deles, bem mais ornado, custava R$ 20,00; o outro, mais simples, valia a metade do preço do primeiro. Como estava bastante apertado, decidiu-se pelo segundo, embora tivesse uma vontade imensa de ter dado o mais bonito a sua avó.

Então, no momento em que iria pegar o mais bem embalado dos baleiros mais baratos, acabou derrubando um outro exemplar deste mesmo tipo, que estava ao lado. Assustado, encaminhou-se ao caixa do estabelecimento e comprometeu-se a pagar pelo prejuízo. No momento do pagamento, entregou o objeto de R$ 10,00, juntamente com uma nota de R$ 20,00.

Já na rua, extremamente chateado, começou a pensar que aquele dinheiro a mais seria suficiente para pagar alguma distraçãozinha no fim de semana, como sorvetes e pastéis para ele e sua namorada. Além disso, e o pior de tudo, teria sido o bastante para comprar o baleiro mais caro, justamente o que ele queria.

Porém, lembrou-se de uma senhora rica que havia derrubado um copo de vidro em um supermercado. Na ocasião, a mulher apenas foi embora, como se nada tivesse acontecido, sem mostrar qualquer ressentimento. Comparando as duas situações, o rapaz refletiu que não se sentiria bem fazendo o mesmo, que isso não era uma atitude digna de sua pessoa. Assim, descobriu um orgulho que nunca tivera pela sua honestidade, pelo seu caráter, entendendo a mensagem que lhe foi mandada.

Por isso, recordou: "Deus escreve certo por linhas tortas". 

Principiante

Me convidaram a bailar,
Mas eu não danço
Conforme a música!

Se eu fosse vinho
Seria um tinto-pulsante
Seco-azedo.

Me convidaram a bailar,
Mas eu não consigo
Ignorar medos e mágoas!

Se eu fosse vinho
Seria um tinto-pulsante
Seco-azedo.

Me convidaram a bailar,
Mas eu sempre tive
Uma certa arritmia!

Se eu fosse vinho
Seria um tinto-pulsante
Seco-azedo.

Isso se eu fosse vinho!
Mas eu sou azeite,
E não preciso dos efeitos do álcool.


(MENDEL, G. M.. Sobretudo. Erechim-RS: EdiFAPES, 2010. p. 39.)


Este é mais um poema sobre a minha timidez, a minha preferência pela reclusão e o meu desconforto diante de atividades que, para a maioria das pessoas, são extremamente normais e agradáveis, como a dança.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Galvão e suas azas

Galvão queria voar,
Pois estava cheio de ficar preso aos limites da terra.

Um dia, de tanta vontade pulsando dentro dele,
Surgiram asas nas costas do rapaz.
Então, Galvão subiu aos céus...

No entanto, depois de voar durante dias,
Percebeu que estava ficando profundamente só.
Ninguém além dele podia chegar àquela altitude.

Porém, sabia que não poderia fazer nada,
Porque suas asas não paravam mais de bater.

Desde então, Galvão continua voando,
À procura de alguém que, no mínimo, esteja no topo de uma montanha,
E que, dessa forma, possa lhe fazer companhia.


(MENDEL, G. M.. Sobretudo. Erechim-RS: EdiFAPES, 2010. p. 38.)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Bullying

Vai brincando...
Vai brincando...
Vai brincando...

Vai sofrendo...
Vai sofrendo...
Vai sofrendo...

dor!
Dor!
DOR!

trauma!
Trauma!
TRAUMA!

isolamento.
Isolamento.
ISOLAMENTO.

Rótulo aplicado no sangue;
Desconforto interminável;
Existência inadequada;
Consequências irreversíveis.


(MENDEL, G. M.. Sobretudo. Erechim-RS: EdiFAPES, 2010. p. 37.)


Este poema, com certeza, retrata muito bem o que sente uma pessoa que sofre (ou já sofreu) de bullying. Infelizmente, estou em condições de dizer esse "com certeza", porque tenho conhecimento de causa.

Para quem ficou meio perdido com esse comentário, basta ler este relato: 
http://restolholiterario.blogspot.com.br/2011/05/o-bullying-e-eu.html

Obrigado pela atenção!

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Sobre o azar

Todos os dias, um cão passava fome. Olhava para um homem e este lhe dava um coice. Olhava para uma mulher e esta lhe expulsava a gritos. Fugia de carros e de bicicletas. Ninguém lhe dava atenção. Também, como ele poderia pedir comida, se não sabia comunicar sua fome? E, ultimamente, nem do lixo deixavam pegar! A sorte vinha quando chovia... Pelo menos, nesses dias, ele podia beber das poças.

***

Todos os dias, um homem passava fome. Pedia para um homem e este lhe dava um pão dormido. Pedia a uma mulher e esta lhe dava uns trocados. Desviava de carros e de bicicletas, embriagado de álcool e dor. Sentado num banco da praça, comia do pão. Com os trocados que havia arrecadado, conseguia um pouco de droga, para esquecer do azar que lhe perseguia.

***

Na praça, o cão encontra um homem desacordado num banco. Ao lado do homem, um pequeno pedaço de pão. Sorrateiramente, o cão pega o pão e corre. E, assim, sobrevive, driblando, travesso, a maldade do homem.