Reluzidos por um único farol
E não posso ver o céu
Reduzido por um vulto de sol
Estou andando parado em casa
Não gosto mais de sair
Só penso em construir asas
Que me façam voar por aí
Estou com medo dessas ruas
Há muita gente por lá
As vitrines são todas suas
O dinheiro poderá me comprar
Eu sei que existe um motivo
Que devora o nosso juízo
Não posso acabar com isso
Não posso desistir desse vício
Por isso eu quero remédios
Que me tornem alguém normal
Porque isso é realmente sério
Eu quero ser especial
Por isso eu quero mistérios
Que eu possa desvendar
Porque esse troço é venéreo
E eu quero ser comercial
MENDEL, G. M. Humano impresso. Erechim-RS: EdiFAPES, 2008.
Para comentar sobre esse poema, citarei um trecho de um texto onde o genial escritor José Cândido de Carvalho comenta a respeito das mudanças ocorridas no mundo em um período compreendido entre 25 anos:
[...] Publiquei o primeiro livro em 1939 e o segundo precisamente vinte e cinco anos depois. Entre Olha para o céu, Frederico! e O coronel e o lobisomem o mundo mudou de roupa e de penteado. Apareceu o imposto de renda, apareceu Adolf Hitler e o enfarte apareceu. Veio a bomba atômica, veio o transplante. E a Lua deixou de ser dos namorados. Sobrevivi a todas essas catástrofes. E agora, não tendo mais o que inventar, inventaram a tal da poluição, que é doença própria de máquinas e parafusos. Que mata os verdes da terra e o azul do céu. Esse tempo não foi feito para mim. Um dia não vai haver mais azul, não vai haver mais pássaros e rosas. Vão trocar o sabiá pelo computador. Estou certo que esse monstro, feito de mil astúcias e mil ferrinhos, não leva em consideração o canto do galo nem o brotar das madrugadas. Um mundo assim, primo, não está mais por conta de Deus. Já está agindo por conta própria.
(Niterói, setembro de 1970)
CARVALHO, J. C. de. Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon. Rio de Janeiro-RJ: Rocco, 2003. p. 08.
***
E por que eu adicionei essas magníficas palavras expostas acima como comentários sobre o meu texto? Porque José Cândido de Carvalho, em 1970 (!!!), previu os tristes fatos que critiquei por meio do poema.
Por hoje é só.
Até a próxima!