sábado, 25 de março de 2023

Tenra autodestruição

Embora não sejam uma novidade, é amedrontador para qualquer cidadão com algum discernimento tomar ciência dos hábitos autodestrutivos que os jovens vêm mantendo nos últimos anos, em especial durante e depois do período mais complexo da pandemia de COVID-19. Mergulhar profundamente em jogos virtuais, deixando de estudar e até de dormir, beber energéticos como se fossem água, utilizar livremente narguilés e cigarros eletrônicos, eis algumas das práticas que esse público adota diariamente, sem prestar a mínima atenção aos conselhos, recomendações e avisos dados por alguns adultos preocupados. 

Aqueles que convivem atualmente com adolescentes (e, até mesmo, com crianças) ouvem de forma recorrente esses pequenos indivíduos em formação comentando a respeito de suas práticas diárias. Eu, por exemplo, escuto muito os meus alunos afirmando, sem qualquer vergonha, que passaram todo o período em que estiveram fora da sala de aula, inclusive a madrugada, grudados em jogos virtuais no celular, dormindo por, no máximo, duas horas antes de irem para a escola e “esquecendo-se” de estudarem para as provas do dia seguinte e de realizarem as suas tarefas de casa. Além disso, enquanto estão imersos nesse universo paralelo extremamente nocivo, ingerem as famosas bebidas energéticas à vontade, para, inclusive, suportarem ficar tanto tempo em frente às telas.

Outro costume terrível que essa parcela da população está adquirindo é o uso frequente de narguilés e de cigarros eletrônicos. Pré-adolescentes combinam, como se estivessem marcando encontros para tomarem chimarrão e comerem pipoca, reuniões na casa de um(uma) deles(as) para fumarem aquilo que tratam por “narg”. Caso você duvide, basta perguntar para um grupo ou uma turma se alguns deles já experimentaram narguilés e cigarros eletrônicos, ou se conhecem alguém que tenha experimentado, que, certamente, histórias sem fim surgirão para a mais completa estupefação do ouvinte.

O pior é que, por diversas ocasiões, sabe-se que os pais desses estudantes têm conhecimento do que estes fazem, isso quando não possuem os mesmos hábitos e os incentivam. É quase absurdo pensar nisso, mas chega-se às conclusões de que uma quantidade considerável dos responsáveis por crianças e adolescentes têm exatamente a idade mental de uma criança ou de um adolescente, e de que os únicos exemplos que podem proporcionar a esses seres em formação são de ações irresponsáveis que eles não poderiam ou não deveriam repetir.

Por outro lado, quando profissionais engajados, como professores, enfermeiros, farmacêuticos, médicos, psicólogos, tentam alertar sobre os riscos de tais atitudes, não são ouvidos nem levados a sério. São vistos apenas como mentirosos, exagerados, chatos, ultrapassados.

Portanto, ainda que não seja nova a preocupação com a entrada dos jovens no mundo das drogas e dos maus hábitos, como a ingestão cada vez mais precoce de bebidas alcoólicas, de cigarros e de maconha, bem como a descoberta também prematura da atração física e do sexo, o aumento das possibilidades de autodestruição e de desvirtuamento do indivíduo está deixando aqueles que trabalham com esse público profundamente espantados. Trata-se de um cenário surreal, no qual constata-se que a juventude aprende em um piscar de olhos tudo aquilo que não deveria, enquanto demora um tempo precioso para aprender o que precisa, quando aprende.

Engenharia educacional

Há alguns anos, quando começaram a comentar a respeito de uma nova grade curricular para a educação básica brasileira, fiquei muito animado. Pensava realmente que os vigentes Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) estavam ultrapassados e não contemplavam as atuais necessidades dos estudantes.

Eu, enquanto professor bem-intencionado e sonhador, imaginava que a reestruturação dos currículos excluiria do processo tudo aquilo que não fizesse mais sentido de ser ensinado e que só levasse os discentes ao desinteresse, e, consequentemente, proporcionaria mais tempo para que os professores trabalhassem com aspectos mais relevantes para os jovens, em especial conhecimentos que os indivíduos precisam ter para serem profissionais responsáveis e capacitados, bem como competências que os cidadãos carecem para suprir suas demandas no convívio em sociedade.

Por isso, assim que me deparei com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um modelo de elefante branco burocrático que emperra o ensino em nosso país, com suas páginas e mais páginas de conteúdos desconexos (entre si e com a realidade), inúteis (na maior parte das vezes) e invencíveis (no pior sentido do termo), sem mencionar os códigos fornecidos pelo imensurável volume, que, com certeza, “facilitam” a vida dos professores, fiquei pasmo.

Por um lado, os Parâmetros Curriculares Nacionais estavam desatualizados por cobrarem dos alunos muitos assuntos que não fariam a menor diferença na vida deles, e que tornavam-se necessários apenas para que os vestibulandos e os concurseiros estivessem preparados. E, normalmente, essa carga pesada de informações sobressalentes oferecia espaço reduzido para desenvolver a leitura e a escrita dos estudantes, aspectos importantes de verdade em Língua Portuguesa, só para citar o exemplo do que era recorrente em uma disciplina.

Contudo, a Base Nacional Comum Curricular não apenas cobra a mesma enxurrada de conteúdos imprestáveis já existentes na grade anterior, como também distorce, embaralha e avacalha a ordem em que esses são cobrados, assim como faz o desfavor de inflar mais ainda os currículos escolares com baboseiras, engessando os professores e deixando-os impotentes, visto que, sendo impossível cumprir o básico da Base, não há espaço para “inventar moda” ou para “criar atividades diferenciadas”.

E, para favorecer ainda mais a educação em nossa nação, a BNCC foi implantada para valer pouco antes de a pandemia de COVID-19 mexer com as prioridades da sociedade inteira e obrigar grande parte da população a permanecer em suas residências. Sendo assim, neste momento, ao retornarem para o ensino presencial, os estudantes e os professores estão tendo de lidar com duas lacunas de aprendizado concomitantes: aquela causada pelo ensino à distância, ocasionada pelo período de aulas remotas e/ou escalonadas; e, também, com aquela provocada pela alteração de grade curricular, PCN para BNCC, a qual, ao entrar em vigor, abriu buracos no ensino por não promover uma correta adaptação de um documento para o outro.

Isso só salienta aquilo que percebo há anos, na minha prática diária em sala de aula. Os alunos, por mais que apresentem indisciplina, desrespeito e falta de comprometimento, configuram o menor dos problemas para os professores. Na verdade, os fatores que mais atrapalham o trabalho docente são: a excessiva burocracia, que, boa parte das vezes, é desnecessária; os projetos de desenho, redação e afins que caem de paraquedas nas escolas, atravancando as lições em função de divulgar campanhas, marcas e eventos; a obrigatoriedade do uso de determinados materiais e/ou grades curriculares, que podam a autonomia e a criatividade dos professores, na busca de um alinhamento e de uma coerência impossíveis e inexistentes, tamanhas as diversidades e desigualdades existentes no Brasil.

Ou seja, para o educador brasileiro, oferecer um ensino significativo e de qualidade aos educandos é tarefa sobre-humana, tendo em vista que todas as etapas soam como se tivessem sido planejadas para que a educação não dê certo, não seja agradável, não esteja condizente com as aspirações dos estudantes e não se torne uma ferramenta de motivação para os participantes do ambiente escolar.

Enquanto isso, nas salas de aula…

1. É notável a dependência que as crianças e os adolescentes possuem em relação aos seus celulares.  Muitos inventam as mais diversas artimanhas para tentar não ficar longe de suas chupetas tecnológicas e, desse modo, evitar a abstinência. E esse vício por tais maquininhas está cada vez mais latente no desempenho escolar dos jovens. Nota-se, por exemplo, a falta de criatividade (aliada à insegurança) que a maioria dos estudantes demonstra atualmente, pois estes não realizam nenhuma tarefa sem fazer uma busca prévia na internet. Da elaboração de um simples desenho à escrita de um trabalho discursivo sobre um livro literário, o recurso eletrônico tornou-se indispensável para que os alunos construam alicerces que embasem, mesmo que de maneira informal e incorreta, tudo aquilo que desenvolvem. Nesse cenário, para os professores que já consideravam desesperadoras as pesquisas (errôneas e errantes) feitas pelos educandos na Wikipédia, surgiu o Brainly, para acabar com qualquer esforço intelectual por parte dos discentes.

2. Outro fato que se pode observar nos últimos anos é a diminuição dramática de conhecimento geral por parte dos estudantes. Por exemplo, se os professores comentam algo sobre uma personalidade dos âmbitos artístico, esportivo, político ou acadêmico, dificilmente algum aluno saberá da existência da pessoa citada. Seja John Lennon, Machado de Assis, William Shakespeare, Ayrton Senna, nada daquilo que esteja fora do senso comum naquele exato instante ou que não permeie o leque de interesses virtuais dos jovens de hoje faz parte do conhecimento deles. Por isso, está cada vez mais complicado de os docentes partirem daquilo que os estudantes já sabem para explicar qualquer conteúdo, porque dificilmente eles já ouviram falar a respeito de algo ou de alguém que realmente importe socialmente. Só dominam aquilo que está relacionado a influenciadores digitais, funkeiros e sertanejos (que se tornaram famosos ontem para voltarem ao anonimato amanhã). E, em relação ao resto, são como a personagem Chiquinha do programa televisivo “Chaves”, que não conhece nada de História porque ainda não tinha nascido quando aconteceram os eventos históricos.

3. Penso que, dentre todos os mecanismos de informação existentes até o momento, a internet é, simultaneamente, o mais libertador e o mais limitador, tendo em vista que essa ferramenta, apesar de apresentar o universo diante de quem a utiliza, acaba, na maior parte das vezes, por servir somente para que o indivíduo se “especialize” naqueles segmentos que lhe são de interesse particular. E, ainda que o usuário tenha a liberdade de buscar por meio dela exatamente aquilo que deseja, tendo a oportunidade de conhecer qualquer assunto de qualquer lugar do mundo em qualquer lugar do mundo, grande parte das pessoas acaba limitando-se a procurar mais a respeito dos conteúdos medíocres que estão em evidência naquele exato instante, uma vez que a utilização inadequada do ciberespaço é um convite ao comodismo, à falsa inclusão e ao desejo de aparecer. Ou seja, o ambiente virtual é diferente de outras fontes de informação, como o jornal, a revista, o rádio e a televisão, que, por mais combatidos e antiquados que sejam, oferecem ao consumidor um leque mais abrangente e confiável de possibilidades de crescimento cultural e intelectual. Pois, enquanto as mídias mais tradicionais demandam ética, pesquisa, apuro, preparo e profissionalismo, tudo aquilo que é publicado na internet ignora completamente essas condições. Nesse contexto, percebe-se que as crianças e os adolescentes muito raramente folheiam um jornal ou uma revista, não sintonizam uma emissora de rádio nem para ouvir os jogos de seu time de futebol favorito e só ligam a televisão para acessar serviços de streaming. E os pais normalmente não interferem nessas práticas, visto que têm a mesma responsabilidade, igual maturidade e asseguram-se de que vale qualquer coisa para que os seus filhos mantenham-se quietos.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Dicas de filmes - Parte 12

01- "As férias do Senhor Hulot" (Les vacances de Monsieur Hulot), dirigido por Jacques Tati (1953);

- Este é o filme que apresenta o personagem Monsieur Hulot ao público e que revela o humor e a perspicácia de Jacques Tati, cuja observação social concebeu uma obra que capta o comportamento exato das pessoas até hoje.

02- "Meu tio" (Mon oncle), dirigido por Jacques Tati (1958);

- Filme consagrado do francês Jacques Tati, "Meu tio" é uma obra que permite que o espectador identifique as situações retratadas (e se identifique nelas) e ria de si próprio. Simplesmente genial!

03- "O homem que sabia demais" (The man who knew too much), dirigido por Alfred Hitchcock (1934);

- Ainda não assisti à refilmagem do título em questão, realizada em 1956. Contudo, pode-se afirmar seguramente que este é um dos filmes mais marcantes da história do cinema. Um suspense de corroer os nervos do público!

04- "Agente Secreto" (Secret Agent), dirigido por Alfred Hitchcock (1936);

- Assim como o título elencado anteriormente, "Agente Secreto" é um brilhante suspense de guerra meticulosamente dirigido pelo mestre.

05- "Jovem e Inocente" (Young and Innocent), dirigido por Alfred Hitchcock (1937).

- Outro suspense assinado por Alfred Hitchcock, desta vez sem envolver conflitos internacionais, "Jovem e Inocente" apresenta ao público um casal de protagonistas muito carismático, por quem, em meio a situações extremamente tensas, é impossível não torcer.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Dicas de filmes - Parte 11

01- "A felicidade não se compra" (It's a wonderful life), dirigido por Frank Capra (1946);

- Não é só um belíssimo filme, mas também, uma lição de vida.

02- "Um corpo que cai" (Vertigo), dirigido por Alfred Hitchcock (1958);

- Basta dizer que essa obra está sempre presente nas listas que enumeram quais são os melhores filmes já realizados, muitas vezes encabeçando-as.

03- "Rebecca - A mulher inesquecível" (Rebecca), dirigido por Alfred Hitchcock (1940);

- Filmaço que apresenta uma das características mais marcantes do Hitchcock: surpreendente em qualquer época, não importa quanto tempo passe.

04- "Um convidado bem trapalhão" (The Party), dirigido por Blake Edwards (1968);

- Um dos filmes mais engraçados já feitos, comprovando a genialidade da parceria entre Blake Edwards e Peter Sellers, que, aliás, está perfeito nessa obra.

05- "Interlúdio" (Notorious), dirigido por Alfred Hitchcock (1946);

- Um noir feito pelo Hitchcock, empolgante de roer até as unhas dos pés! Além disso, trazendo uma história que se passa, na maior parte do tempo, no Brasil.