sábado, 12 de abril de 2025

Entre a ilusão e o abismo

O país estava em crise. Crise econômica, crise social, crise política, enfim. No meio da angústia generalizada, Rodrigo, um patriota convicto, depositava sua fé inabalável na promessa de ordem e progresso ao apoiar a provável eleição de um governo de extrema-direita. Não aguentava mais esperar pelo dia da votação. A ansiedade estava perturbando-o mais do que os preços nos supermercados, mais do que o valor do litro da gasolina.

Quando a vitória finalmente chegou, Rodrigo não conseguia conter a sua extasiada esperança. “Agora, veremos o país renascer”, dizia para si mesmo, acreditando firmemente que o novo regime traria estabilidade a todos.

Mas o tempo trouxe uma impensável surpresa ao patriota. Em uma manhã cinzenta, quatro militares bateram à sua porta, incisivamente. “Sr. Rodrigo, precisamos que nos acompanhe”, anunciaram sem oferecer-lhe maiores detalhes, para, em seguida, conduzirem-no ao veículo com certa rispidez.

Mesmo quando o carro o levou violentamente pelas ruas desertas, sua convicção permaneceu: tudo não passava de um mal-entendido, meras formalidades patrióticas. Tudo seria esclarecido facilmente. Somente a escória comunista estava se dando mal com esse governo.

No ambiente lúgubre de um local secreto, surgiram três interrogadores, um mais mal-encarado do que o outro. “Explique as postagens subversivas que você fez há dez anos”, ordenou uma voz fria e autoritária. Gaguejando, Rodrigo tentou se justificar: “Eram outros tempos... Eu... eu não tinha a intenção de prejudicar ninguém. Eu estava iludido com as promessas feitas por aquele líder da esquerda.” Seus nervos não o estavam ajudando em nada, e as palavras dissolviam-se no silêncio perturbador do cômodo.

Momentos depois, enquanto era conduzido por um corredor estreito, um vislumbre brutal quebrou sua ilusão: dois militares, naquele mesmo espaço, vindo do sentido contrário, carregavam insensivelmente o corpo sem vida de um conhecido seu – outro apaixonado patriota. A cena esclareceu-lhe toda a verdade e, naquele instante, o homem desistiu de apoiar o Sistema, fosse qual fosse o seu comandante.

Então, Rodrigo foi levado até a entrada de uma sala sombria, onde entrou definitivamente.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Intolerar

Era uma manhã ensolarada em Brasília, e a cidade tremia com a violência de uma nova passeata. As ruas estavam repletas de pessoas vestidas de verde e amarelo, empunhando bandeiras do Brasil e gritando exigências bem peculiares. No meio da multidão, Lucas, um jovem de cabelos castanhos e alva pele, caminhava ao lado de Rafael, seu par secreto. Lucas vinha de uma família bolsonarista abastada, enquanto Rafael, com seu jeito sensível e olhar profundo, era filho de uma família petista e mais humilde. O contraste entre suas origens era palpável; no entanto, o que sentiam um pelo outro ultrapassava diferenças ideológicas.

Nos encontros às escondidas que tinham, longe das visões críticas de suas famílias, compartilhavam risadas, carícias e algumas utopias. Lucas, no entanto, carregava um peso em seu coração. Ele sabia que sua família jamais aceitaria sua homossexualidade, e a pressão de ser o herdeiro perfeito o sufocava. Rafael, por sua vez, sempre o encorajava a ser verdadeiro consigo mesmo, mas Lucas hesitava. A presença de Clara, a filha do melhor amigo de seu pai, que constantemente flertava com ele, tornava tudo ainda mais complicado.

Certa noite, enquanto se esgueiravam em um parque, a moça, que havia seguido Lucas, testemunhara tudo. A expressão de surpresa em seu rosto rapidamente se transformou em raiva. Sem pensar duas vezes, em seu íntimo, decidiu contar tudo para a família de Lucas. Até porque essa relação colocava em risco o casamento que havia planejado para breve, tendo em vista que o rapaz era lindo, rico e agradável, o que traria certa tranquilidade à sua vida.

No dia da manifestação, Lucas pediu a Rafael que o acompanhasse. Ele queria muito participar daquele evento que fora agendado e divulgado há meses nas redes sociais. Por outro lado, não queria abrir mão de se reunir com o namorado, pois a saudade já se tornava sufocante. "Vai ser como ir a uma partida de futebol no espaço reservado à torcida contrária. Vai ser emocionante!", disse, para convencer o amado.

Enquanto caminhavam lado a lado, trocando carícias discretas, a sensação de liberdade era extasiante. Contudo, a alegria foi interrompida quando um grupo de skinheads, que também participava do acontecimento, começou a cercá-los.

“Olha só, um veadinho e seu namoradinho!”, gritou um dos homens, com um sorriso cruel. Lucas sentiu o sangue gelar. Ele sabia que a situação poderia se tornar perigosa, mas não queria deixar Rafael sozinho. “Fica atrás de mim”, sussurrou, tentando protegê-lo.

A tensão aumentou rapidamente. Os skinheads começaram a empurrá-los, e Lucas, em um ato de coragem, colocou-se em frente a Rafael. “Deixem-nos em paz!”, gritou, com sua voz tremendo, porém firme. O que se seguiu foi uma confusão de socos e gritos. Lucas e Rafael lutaram juntos, valentes, mesmo estando em menor número. A brutalidade da cena era assustadora.

Em meio ao caos, Lucas sentiu uma dor aguda em seu abdômen, motivada por uma perfuração. Ele olhou para Rafael, que estava ao seu lado, tentando defendê-lo. “Rafael!”, berrou, por fim. O cenário ao seu redor começou a escurecer, e ele percebeu que as suas lutas particulares e coletivas tinham um preço terrível.

Quando a polícia finalmente chegou, a cena era digna de uma tragédia shakespeariana. Lucas e Rafael estavam ao chão, com suas mãos entrelaçadas, como se ainda tentassem proteger um ao outro. A passeata, um agressivo ato de resistência, transformou-se em um lamento silencioso.

As famílias de ambos os jovens, ao receberem a notícia, foram forçadas a confrontar a perda de seus filhos, assim como as barreiras invisíveis que os separavam. O namoro de Lucas e Rafael, embora tragicamente interrompido, tornou-se um símbolo do mais honesto amor, aquele que sobrevive em meio à intolerância.

sábado, 5 de abril de 2025

Resenha sobre o livro "Escritos", de Mariele Zawierucka Bressan

- Título: "Escritos"

- Autora: Mariele Zawierucka Bressan

- Editora: EdiFAPES (RS)

- Ano de lançamento: 2025

- Nº. de páginas: 56



"A poesia não é, necessariamente, métrica." (Mariele Zawierucka Bressan, na obra “Escritos”, página 48)


Na apresentação do volume em questão, Mariele erroneamente diminui sua poesia ao afirmar que, ao reler seus textos, tende a se flagelar; que, quando está sozinha, sua autoestima eleva-se, conferindo-lhe coragem (e, por conta disso, trazendo à tona seus escondidos, desencontrados e reencontrados versos); que seus poemas são uma tentativa de falar com voz humana (como se humana não fosse); que, por meio deles, expõe o ridículo que mora em suas entranhas. No entanto, ao se posicionar dessa forma, comprova que tanto a poesia quanto a humanidade estão incrustadas dentro de si.

"Escritos" é um livro constituído por poemas que fluem e dançam, com rimas naturais e ocasionais, nem um pouco forçadas. Seus versos apresentam o ritmo do eletrocardiograma que é a nossa vida — oscilante, resiliente e visceral.  

A autora faz um uso criativo e estratégico das palavras, expressando o máximo com o mínimo de elementos. Além disso, a poetisa joga xadrez com os termos que emprega, formando imagens poéticas inspiradas e lapidadas, buscando a precisão do que sente e do que quer dizer.

Por meio de sua poesia, traz beleza até aos mais temíveis transtornos e dramas humanos; e, de maneira geral, aborda temas variados e relevantes, como: o saudosismo, o estilo de vida moderno, o fazer poético, o protagonismo, o consumismo, o carnaval (e suas máscaras), as angústias individuais, as desigualdades sociais e a política.

Fazendo um à parte, chamou-me atenção a releitura criativa de Quintana e Drummond, aludindo, de maneira equilibrada e sagaz, ao positivismo de um e ao negativismo do outro.

Particularmente, em uma breve análise, meus favoritos foram os títulos "Das incertezas", "Das imperfeições", "Acreditar", "Tanta sola", "Menino do morro", "Releitura", "Cães em bando", "A tecitura", "Sobre a mudança" e "Tempo", sendo esses os que mais me impressionaram a mente e o coração.

Mariele subestima a importância da sua produção, tratando-a como mero passatempo. Mas sua excelente capacidade poética faz parar o tempo enquanto o(a) leitor(a) a degusta. Para mim, esta escritora que se lança tarde na Literatura (antes tarde do que nunca) demonstrou ser superior a muitos(as) autores(as) renomados(as).

Portanto, na minha opinião, "Escritos" é indicado para pessoas sensíveis que desejam ganhar tempo e se deleitar com a boa poesia contemporânea.